Limeira Mil Grau

Uma análise da novela Caras & Bocas

A novela foi um grande sucesso de 2009, conquistando tanto crianças quanto adultos.

Particularmente, gosto muito de novelas leves, despretensiosas e até um pouco escrachadas, que não têm medo de serem populares e ao mesmo tempo apresentarem uma excelente qualidade. Caras & Bocas representa muito bem este espírito de folhetim e me trouxe algumas emoções que só um bom produto audiovisual pode proporcionar.

Os atores Flávia Alessandra e Malvino Salvador em uma das várias cenas com ótima sintonia. Foto: Memória Globo.

Concebida por Walcyr Carrasco e escrita por ele, Cláudia Souto e André Ryoki, a novela mostra a paixão de Dafne (Flávia Alessandra) e Gabriel (Malvino Salvador), que mesmo apaixonados, vivem em constante conflito por terem personalidades completamente opostas, tendo em comum apenas o gosto pela arte. Enquanto Dafne é neta de Jaques (Ary Fontoura), um grande empresário, e tem uma vida de luxo, Gabriel teve que abandonar a carreira de pintor para cuidar do bar da família após a morte do pai. Ao mesmo tempo, uma armação do avô de Dafne separou o casal, deixando-a grávida e sozinha para cuidar de Biana (Isabelle Drummond). Quinze anos depois, os dois se reencontram e verão o quanto que o amor que um sente pelo outro está mais vivo do que nunca.

Marcos Pasquim foi evoluindo ao longo dos mais de 230 capítulos da trama. Foto: Divulgação/TV Globo

Além disso, Denis (Marcos Pasquim), irmão de Gabriel, é um pintor fracassado que tem sua carreira mudada completamente quando seu filho Espeto (David Lucas) abriga em casa um macaco que começa a pintar novos quadros, com todos achando de autoria de Denis. A partir daí, um grande dilema se impera, sendo que Judith (Deborah Evelyn), uma das diretoras da empresa de Jaques, fará de tudo para tomar controle do macaco, destruir a carreira de Dafne e ter a empresa só para si.

De início, a sinopse pode parecer meio besta e exageradamente fora da realidade, mas ao ser colocada na prática, funciona super bem. Walcyr conseguiu criar um universo ficcional quase perfeito, realizando uma dura crítica sobre a superficialidade do mercado da arte. Disse universo quase perfeito, porque tiveram alguns erros de percurso que, passados 15 anos da primeira exibição da novela, envelheceram mal. Falarei deles um pouco mais pra frente.

Um dos pontos altos da novela é que ela conseguiu formas casais tanto para o público adulto quanto para uma faixa etária mais infanto-juvenil. Foto: Divulgação/TV Globo

Para mim, mais até do que Flávia e Malvino, que fazem um excelente trabalho, o grande casal de Caras & Bocas está em Bianca e Felipe, vivido brilhantemente por Isabelle Drummond e Miguel Rômulo. Os dois estão perfeitos em cena e trazem um tom de humor no estilo Tom & Jerry, mas que ao mesmo tempo nos faz torcer para que os dois finalmente consigam ficar juntos e assumam que se gostam. Isso sem contar que é vem de Bianca os bordões mais icônicos da novela: “É a treva!”, “Quero ser a rainha dos biscoitos de polvilho”, “Felipe Traidor” e “Sou experiente”.

A presença do macaco Chico (interpretada pela macaca Kate), com autorização do IBAMA e com um sério esquema logístico para que desse tudo certo, foi a cereja do bolo, para que o folhetim fizesse um enorme sucesso com o público infantil. Não é a toa que sempre quando falamos de Caras & Bocas, muitos se lembram como a novela do macaco.

Judith é uma perfeita vilã de Walcyr Carrasco. Foto: Divulgação/TV Globo

Gosto muito de Deborah Evelyn como Judith, pois ela consegue imprimir uma caricatura em sua vilã na medida certa, sendo uma vilã clássica, amarga e muito ambiciosa, como os tipos bem maniqueístas que Walcyr costuma imprimir em seus textos. O mais interessante é que torci em todas as vezes que a personagem se ferrou e ela capta o nosso foco de uma forma impressionante, diferentemente de seu parceiro Edgar (vivido por Júlio Rocha), que acho um personagem insuportável e que poderia ter sido desenvolvido de uma outra forma, só serviu para criar um conflito maior com Simone, vivida por Ingrid Guimarães.

Inclusive, Ingrid cresce muito na novela e conseguiu recalcular a rota de sua personagem de forma muito inteligente. Não sei se isso foi mais uma questão de texto ou de direção em si ou dela própria, mas a atriz, nos primeiros capítulos, está muito acima do tom, mesmo para uma novela do Walcyr, mas ela consegue ajustar todas as suas camadas e a partir do segundo quinto de novela, apresenta uma evolução impressionante, cativando a audiência. Ela sai após o capítulo 110 e retorna faltando pouco menos de um mês para terminar a história, mas chega roubando a cena, de forma muito inteligente e assertiva.

Nick e Milena foi outro casal feito para agradar um público mais jovem. Foto: Divulgação/TV Globo

Sérgio Marone (apesar de levemente canastrão) forma um ótimo par com Sheron Menezzes. Ambos interpretam Nick e Milena, um casal cuja história traz uma abordagem equivocada em muitos momentos e acredito que tenha sido aqui e também na história de Fabiano (Fábio Lago) onde Walcyr tenha errado a mão. Sobre o conflito racial presente no casal, a intenção do autor pode até ter sido boa, mas muitas falas foram ditas de forma cômica em um contexto que poderia ter sido muito mais séria e responsável. Já sobre o Fabiano, várias vezes ao longo da história, ele precisou se disfarçar para seguir sua esposa, para verificar se ela o está traindo. Em vários destes disfarces, ele reproduz estereótipos e comportamentos que só perpetuam atitudes como o racismo enraizado na sociedade. É por essas e outras que precisamos entender uma novela diante do contexto em que ela foi reproduzida, analisando-a criticamente.

Porém, também podemos destacar outros pontos muito positivos, como Guilhermina Guinle como Amarilis e traz uma movimentação muito interessante, ocupando o lugar de Simone após a licença-maternidade de Ingrid Guimarães. Dener Pacheco também cresce muito como Renan, nos últimos dois meses de novela, mas infelizmente acabou falecendo de câncer pouco tempo depois de terminar as gravações.

Outro ponto muito interessante que merece ser realçado é o casal Piedade (Bete Mendes) e Jaques (Ary Fontoura), pois Walcyr também consegue colocar em alta grandes nomes da nossa dramaturgia sob uma história que não fica apagada, pelo contrário, traz um protagonismo e representatividade necessários.

Outro ponto de representatividade muito bom em Caras & Bocas é com Anita, interpretada por Danieli Haloten, atriz portadora de deficiência visual e que forma um incrível par com Wagner Santisteban, com uma química maravilhosa. Há momentos equivocados na condução de sua história, que passam pelo capacitismo, mas o autor corrigiu a rota e apresenta uma linda história de amor.

Amo Fúlvio Stefanini como Doutor Frederico e Elizabeth Savalla como Piedade, trazendo humor e drama na dose certa. Ela, inclusive, é craque nisso e nos faz rir e chorar em diversas cenas. Foi também a primeira novela de Sophie Charlotte após Malhação e ela, apesar de tímida no início, conseguiu mostrar o porquê iria se tornar uma das maiores atrizes de sua geração.

Por fim, gostaria de destacar o crescimento dos personagens de Henri Castelli e de Rachel Ripani ao longo da trama. Ele como Vicente passou de um simples advogado inocente para um profissional que volta do exterior e luta para conquistar o amor da judia Hannah (vivida lindamente por Júlia Lund). Já Rachel está como Tatiana, que se apaixona pelo judeu Benjamin e depois descobre um câncer de mama que a fará mudar completamente sua vida. Ela se entrega completamente à personagem e conseguimos sofrer junto com seus dilemas e enormes quedas na vida.

Última cena do último capítulo. Foto: Divulgação/TV Globo

Em um panorama geral, Caras & Bocas foi uma novela que fui consumindo de maneira lenta, pois não queria me despedir de uma turma de personagens que me cativaram e fizeram parte da minha rotina, como se eu estivesse morando junto com cada um e acompanhando suas reviravoltas. A novela apresentou vários equívocos, mas o balanço geral para mim foi muito positivo, onde pude acompanhar uma história leve, que me tirou várias risadas e que também me fez emocionar com o desfecho de Felipe e Bianca (o beijo deles no último capítulo foi uma das cenas mais lindas que já vi na dramaturgia, feita de forma muito genuína e tocante).

Caras & Bocas será reprisada a partir de 03 de março de 2025 no Canal Viva e com certeza muitos saudosistas e uma nova parcela de noveleiros poderão acompanhar uma história deliciosa para ser saboreada e tornar leve o coração.

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