Estudos incluem como humanos podem viver no planeta e como uma agricultura a ser feita lá poderia ajudar áreas desérticas na Terra
Por: CNN
Um dia, poderemos ser marcianos. Não seres verdes brilhantes com três olhos e antenas na cabeça, mas humanos nascidos e criados no planeta vermelho.
Um grupo de pesquisadores da Nasa está vivendo durante um ano em um ambiente que simula o habitat de Marte, construído no Texas, em preparação para o ambicioso plano da agência espacial de levar os primeiros astronautas ao planeta já na década de 2030.
Ao mesmo tempo, Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) se prepara para a primeira viagem de ida e volta da Terra a Marte no final desta década.
Mapas precisos e dados meteorológicos locais são fundamentais para pousar naves espaciais com segurança no planeta.
Nesse sentido, cientistas da Universidade de Nova York Abu Dhabi (Nyuad) estão aproximando o sonho da realidade com um Atlas de Marte.
Ao combinar cuidadosamente mais de 3.000 imagens de alta resolução recolhidas pela sonda Hope, dos Emirados Árabes Unidos, (que orbita Marte desde 2021), a equipe criou “um belo mosaico de cores de todo o planeta”, contou Dimitra Atri, chefe do Grupo de Pesquisa Mars na Nyuad.
“Na história da exploração de Marte, muitas sondas se acidentaram”, lembrou Atri, acrescentando que a atmosfera rarefeita dificulta a desaceleração dos foguetes e até mesmo os ventos baixos podem alterar as trajetórias de aterrissagem.
“Se uma sonda se choca e quebra, é uma grande perda de ciência e recursos. Mas, quando enviamos humanos, é preciso ter muito mais cuidado”.
Compreender os padrões climáticos diários e sazonais pode ajudar os pesquisadores a identificar o tempo e o local mais seguros para pousar.
A aterrissagem é apenas um dos desafios que atlas precisos podem ajudar a superar. Identificar os melhores locais para assentamentos humanos em termos de paisagem, temperatura e recursos é outro benefício deles.
“Se houver gelo disponível, podemos convertê-lo em água que pode ser usada para habitação”, explica Atri.
“Pode parecer bobo, mas talvez, no futuro, seja muito comum as pessoas irem a Marte e até viverem lá”, completou a chefe dos pesquisadores.
Poeira e desertificação
Astrônomos têm mapeado Marte há quase dois séculos. O primeiro mapa de Marte foi produzido em 1840 por Wilhelm Beer e Johann von Mädler, na Alemanha.
Mas foi o mapa de 1877, do astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli, que despertou um fascínio duradouro pela ideia de uma civilização marciana, quando os canais de água naturais que ele marcou no mapa foram mal rotulados como vias navegáveis artificiais.
As missões Mariner, da Nasa, nos anos 1960 e 1970, proporcionaram uma melhor compreensão da topografia de Marte, incluindo as primeiras imagens de vulcões, fluxo de lava, desfiladeiros rochosos e enormes tempestades de poeira.
Nas décadas seguintes, a Nasa criou uma série de mapas, incluindo os baseados na mineralogia do planeta. No início deste ano, a agência espacial americana lançou um detalhado mapa 3D interativo de Marte.
O mapa da Nyuad é “o primeiro a usar inteiramente fotografias a cores reais de todo o planeta”, disse Atri.
O Goddard Institute of Space Sciences, da Nasa, passou a usar o mapa da Nyuad no seu software Mars 24, que mantém a contagem do tempo precisa em Marte.
O JMARS, uma base de dados pública usada pelos cientistas da Nasa para o planejamento de missões, também incorporou o atlas na sua base de dados.
Scott Dickenshied, um representante da JMARS, disse à CNN que o mapa da Nyuad é “criado a partir de dados adquiridos mais recentemente do que alguns dos mapas globais anteriores” e fornece uma “perspectiva adicional do que Marte se parece”.
Embora os instrumentos da Nasa e da ESA ofereçam dados de maior resolução durante um período mais longo, o instrumento usado para coleta de dados do Atlas da Nyuad é capaz de “observar todo o disco de Marte de uma só vez”, diz Dickenshied.
Segundo o representante da base de dados JMARS, a perspectiva “pode ser muito útil para os pesquisadores que procuram observar nuvens ou atividade de tempestade de pó a uma escala planetária”.
Marte e a Terra
Há uma teoria de que Marte já foi um planeta coberto de água como a Terra, que poderia ter abrigado vida, mas o afinamento na sua atmosfera causou calor e secura, levando ao estado árido atual.
Agora, o planeta abriga tempestades globais regulares de poeira, que têm um enorme impacto no seu clima, incluindo o bloqueio da radiação e a retenção de calor.
A desertificação é um problema crescente na Terra, particularmente em regiões como a Península Árabe e na África.
Atri, da Nyuad, acredita que os cientistas do clima podem aplicar os dados recolhidos sobre a desertificação de Marte na Terra, “para entender o que pode acontecer ao nosso próprio planeta daqui para a frente”.
“A minha preocupação é que, se não fizermos o suficiente na Terra [para combater a mudança climática], ela poderá ficar parecida com Marte”, acrescentou.
No futuro, a pesquisadora Atri planeja recriar as condições marcianas em laboratório para estudar como as plantas se comportam.
Marte tem um ambiente implacável e áspero: atmosfera muito rarefeita, temperaturas extremamente baixas e altos níveis de radiação UV.
Atri diz que as plantas que vai estudar, que crescem naturalmente em solo seco e salgado em regiões desérticas, como os Emirados Árabes Unidos, podem ajudar a entender como as plantas podem sobreviver ao clima severo do planeta vermelho.
Com isso, pesquisadores podem encontrar melhores maneiras de cultivar alimentos no espaço ou otimizar a agricultura em regiões áridas da Terra.
A pesquisa está nas fases iniciais de planejamento, e Atri espera ter suas primeiras amostras reais de Marte por volta de 2033.
Há também outros cientistas examinando como as inovações em desenvolvimento para cultivar alimentos em Marte podem ter impactos na Terra.
Cerca de 34% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa produzidas pelo homem provêm da produção de alimentos, que usa imensas quantidades de terra e água.
Mas as ineficiências no sistema significam que um terço da comida mundial vai para o lixo, enquanto mais de 345 milhões de pessoas experimentam extrema insegurança alimentar e há aumento da fome e desnutrição.
Recursos limitados no espaço significam que a tecnologia de produção de alimentos em Marte deve ser altamente eficiente e de ciclo fechado, com pouco ou nenhum desperdício.
No mês passado, cientistas britânicos publicaram um artigo na revista “Nature Food” que explora como a agricultura em ambiente controlado no espaço poderia ser uma “porta de entrada” para o desenvolvimento de tecnologia semelhante para a Terra.
Dois cientistas canadenses que estudam alimentação publicaram um livro argumentando que cultivar alimentos em Marte poderia transformar a agricultura na Terra.
As lições aprendidas sobre a geologia de Marte, seu clima e atmosfera também podem ajudar a descobrir se algum dos milhares de planetas que orbitam estrelas fora do nosso sistema solar pode ser habitável ou capaz de sustentar uma atmosfera.
Muitos cientistas acreditam que a vida na Terra teve origem em Marte há bilhões de anos, e Atri vê o planeta vermelho como o laboratório perfeito para investigar a teoria.
“Precisamos entender o nosso vizinho”, afirmou Atri, líder do estudo da Nyuad. “Ele talvez tenha tido vida em algum momento, ou talvez haja alguma vida abaixo da superfície que ainda sobreviva. Talvez tenhamos origens comuns. Quem sabe? É a nossa melhor aposta para nos entendermos e para entender de onde viemos”.