Na Tenda dos Milagres, na ladeira do Tabuão, em Salvador, onde o amigo Lídio Corró mantém uma modesta tipografia e pinta quadros de milagres de santos, o mulato Pedro Archanjo atua como uma espécie de intelectual orgânico do povo afro-descendente da Bahia. Autodidata, seus estudos sobre a herança cultural africana e sua defesa entusiástica da miscigenação abalam a ortodoxia acadêmica e causam indignação entre a elite branca e racista.
A história é contada retrospectivamente, em dois tempos. Em 1968, a passagem por Salvador de um célebre etnólogo americano admirador de Archanjo desencadeia um revival de sua vida e obra. Para a comemoração do centenário de nascimento do herói redescoberto, arma-se todo um circo midiático. Contrapondo-se a essa apropriação política da imagem de Archanjo, sua trajetória é narrada paralelamente como foi preservada na memória do povo: os amores, as polêmicas com os luminares da universidade, os confrontos com a polícia.
Esse é um breve resumo de um clássico concebido por Jorge Amado, um dos escritores que possui mais clássicos da literatura brasileira, como “Gabriela, Cravo e Canela”, “Capitães da Areia” e “Tieta do Agreste”. No caso de “Tenda dos Milagres”, Amado também apresenta um protagonista carismático e repleto de representatividade. Todos os passos de Pedro Archanjo não são à toa e Jorge utiliza isso com muita esperteza, pois a cada acontecimento o autor consegue propor alguma reflexão contundente e, ao mesmo tempo, de forma natural, sobre todas as mazelas que o Brasil apresentava na época e infelizmente ainda apresenta.
Isso torna a obra ainda muito atual, o que por um lado é triste, ao perceber que avançamos pouco em quase 80 anos. Por outro lado, a obra ainda ser contemporânea dá a possibilidade de que uma nova geração de leitores possa conhecer um universo fantástico criado por Jorge Amado e que também possa formar um repertório consciente e crítico sobre a sociedade em que vivemos.
O sincronismo religioso, feito com respeito e com uma grande pesquisa de campo torna “Tenda dos Milagres” um clássico que merece ser saboreado página por página com muita atenção, pois a riqueza de detalhes é imensa e não pode desviar o seu foco.
Jorge Amado traça um painel da cultura negra baiana e de sua resistência contra a duríssima repressão que sofreu nas primeiras décadas do século XX, resgatando e exaltando manifestações como o candomblé, a capoeira, os afoxés e o samba de roda. Escrito em 1969, “Tenda dos Milagres” mostra de forma nítida o amor de Amado à cultura afro-brasileira e seu humanismo radicalmente libertário. Foi adaptado com sucesso para o cinema, por Nelson Pereira dos Santos, e para a televisão, como minissérie da Rede Globo.
São por estes motivos que considero esta obra um grande livro de cabeceira!
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