No papel, ‘King Richard: Criando Campeãs’ cai como uma luva perfeita para o tipo de personagem que Will Smith têm atuado ao longo dos últimos 20 anos. Caso não seja um protagonista sisudo no gênero de ação, o ator constantemente interpreta papeis exatamente como o característico deste filme: um pai de família protetor que luta contra o mundo para realizar seus sonhos. De certa forma, devido ao sucesso de ‘Em Busca da Felicidade’ (filme que também se encaixa perfeitamente com a definição de protagonista citada), Will Smith realmente parece carregar uma herança espiritual desse tipo de papel para si como ator, ao ponto de dificilmente o imaginarmos como algum vilão (ou qualquer personagem um pouco mais dúbio) em qualquer trabalho que esteja presente.
Essa característica, apesar de soar limitada, possui um forte potencial. Diversos atores ao longo da história consistiam de apenas uma faceta interpretativa que, nas mãos de um diretor com uma visão bem articulada, tornava dessa um elemento que conseguia enriquecer a obra ainda mais. Esse tipo de caso ocorria muito nos faroestes clássicos, principalmente com a figura mitológica que John Wayne adquiriu para o gênero. Mas talvez o artista que melhor explorou essa circunstância tenha sido Clint Eastwood, seja subvertendo a imagem de “homem insensível” em ‘As Pontes de Madison’ e ‘Menina de Ouro’ (adquirida nas obras de Sergio Leone e com o personagem Dirty Harry); ou a utilizando justamente como um estudo de caso sobre os valores norte-americanos, como em ‘Gran Torino’.
De qualquer forma, voltando para o caso de Will Smith, a questão é: mesmo com esse semelhante potencial há 20 anos, essa presença do ator sempre foi muito mais utilizada como uma muleta para filmes “oscarizaveis” que buscam emocionar o público pelo caminho mais fácil do que realmente explorar esse fator de modo construtivo e minimamente instigante para além da superfície. No caso de ‘King Richard: Criando Campeãs’, isso inclusive explica um pouco o fato do protagonista dessa história baseada em fatos reais ser o pai da família ao invés das duas tenistas mundialmente famosas. Sim, Smith sabe como bancar o humilde carismático, e o diretor Reinaldo Marcus Green entende isso, já que o coloca a cada 20 minutos entre uma cena e outra para proferir discursos motivadores ou lições sobre a vida, numa tentativa um tanto preguiçosa em gerar momentos emocionantes.
Pelo menos essa “estratégia” não é levada até as últimas consequências do que é esperado desse tipo de filme. O diretor mantém a força do que seriam essas “mensagens motivacionais” na relação pura e intima da família, criando momentos que numa primeira camada funcionam minimamente graças à liberdade que Will Smith possui em sua entrega característica como ator. É um alivio, pelo menos, que a direção não faça de cada conquista dos personagens um grande evento transformador. Se o final consegue não cair totalmente nessa breguice de um filme oscar-bait (apesar dessa ser a essência da obra em diversos momentos), é porque Marcus Green não pesa totalmente a mão num sentimentalismo óbvio ao manter o ritmo da partida final de tênis como qualquer outra; ou seja, tratando aquela como apenas uma de diversas outras ocasiões em que as jogadoras poderão alcançar a vitória (no mundo do tênis; pois para a família, as garotas sempre serão vencedoras).
No entanto, todos esses méritos parecem soar em vão já que esse sentimentalismo evitado em diversas situações se concentra justamente em momentos que teoricamente deveriam estar a maior força da obra: o intimismo da família. Isso pois conforme o diretor repete o mesmo modelo de cena com os discursos de Will Smith, o filme basicamente gira em torno dos mesmos artifícios constantemente, repetindo a essência de cenas anteriores, mas em contextos diferentes. Basicamente, o filme cria uma fórmula segura para si: as personagens treinam, Will Smith discursa; as personagens falham, Will Smith discursa; as personagens vencem e… Will Smith discursa.
No fim, o que ocorre em ‘King Richard: Criando Campeãs’ é um paradoxo. Os momentos que salvam o filme de soarem bregas e, num primeiro instante, servem como a força motriz da obra, em suma, acabam se transformando justamente na parte afetadamente melosa que o diretor parece querer tanto evitar. A repetição dos mesmos conceitos sem uma progressão dramática faz com que o filme funcione apenas de maneira imediata; porém, após o final dos créditos, ele dificilmente ficará na cabeça de quem assiste. Um dos vários filmes esquecíveis que um dia foram discutidos pelo fato de estar indicado ao Oscar de melhor filme pela Academia.